A casa tinha pouca iluminação. Marghe adentrou em um corredor apertado e a moça que lhe atendeu pediu para que aguardasse em uma sala. Marghe sentou-se na cadeira e esperou cerca de uma hora até que uma porta se abriu.
-Não pensei que fosse te ver novamente.
-A senhora se lembra de mim?
-Sim. Madame Djemon sabe das coisas. Estou muito velha, porém lúcida. Não guardo a fisionomia de muitas pessoas, mas me lembro muito bem de seu rosto. Ainda mais porque você é um exemplo de meu sucesso.
-Eu?
-Eu sou informada, leio jornais, revistas. Seu marido é um homem famoso agora, vive aparecendo fotos dele por aí. Outro dia mesmo, vi foto de vocês em uma reportagem. Fiquei satisfeita em saber que meu trabalho deu certo.
-Na verdade não deu muito...é por isso que estou aqui.
-O que aconteceu, dona?
-Meu marido...ele...arranjou uma amante...Isso nunca aconteceu antes, ele sempre foi um excelente marido e pai de família. Tudo estava bem até que soube que ele me traiu. Como é possível, madame Djemon, você me garantiu que o feitiço duraria para sempre!
-Madame Djemon não disse não. Eu lhe falei que duraria o tempo que fosse para durar. Você se recorda do que eu disse após a conclusão do “trabalho”? Nada poderia separá-los exceto por uma condição: as mãos de Deus.
-Não estou te entendendo, o que quer dizer isso?
-O que é para ser, será. Ninguém pode com o destino. Nós, feiticeiras, magos, bruxas, enfim, praticantes do ocultismo podemos interferir na vida das pessoas, mas saiba que cada um de nós tem o livre arbítrio e nem sempre conseguimos atingir a energia da pessoa.
-Mas deu certo por 17 anos!
-Deu certo enquanto você tinha o controle sobre seu marido. Mas, a partir do momento em que ele encontrou essa outra mulher, a sua influencia baixou. Quando digo sobre o destino, quero dizer que se estiver traçado o caminho dele ao lado dela, por mais que você tente, não conseguirá impedir.
-Ah, mas farei de tudo para afastá-los! Eu sei que a senhora é muito boa nisso!
-Sou boa mas não opero milagres. Quem faz milagre é santo. Madame Djemon faz magia, mas se for “causo” de amor verdadeiro, não posso fazer nada.
-Não, não é amor. É só sexo, com certeza!
-E por que a dona tá preocupada?
-Por medo. Matt nunca me traiu antes. Prefiro me defender antes que a coisa fique mais séria. Por favor, madame, tem que me ajudar! Não posso perder meu marido, ele é meu e não será de mais ninguém!
-Tá certo, vou te ajudar. Quem sabe, se eu repetir o feitiço que fizemos há 17 anos, só para reforçar a amarração. Só que vou te fazer o meu preço.
Madame Djemon escreveu em um papel a quantia desejada. Marghe arregalou os olhos.
-Isso é muito dinheiro!
-O trabalho é complicado, visto que é reforço de feitiço antigo, o preço é justo. Você é rica agora, Madame Djemon leu na Internet que seu marido recebeu aumento salarial. Sou mulher informada.
-Está certo! Só irei lhe pagar porque se trata de assunto muito importante!
-Vou te passar a lista com o que preciso. Antes, deixe-me ver, ah...que bom que estamos na lua cheia! É nesta fase que são feitos os feitiços e simpatias mais importantes. A magia é muito mais forte nesta fase, obtemos o máximo efeito. A lua afeta tudo, incluindo o humor e as ações. A fase lunar é uma das chaves para o sucesso do feitiço.
Marghe pegou a lista e saiu para comprar os “ingredientes”. Pouco tempo depois, retornou a casa de Djemon.
Djemon fechou a porta da sala e pediu para que não fosse interrompida. Ela e Marghe deram as mãos e fecharam os olhos, se concentrando. Em seguida, acendeu velas negras por dentro e por fora, sem nenhum aroma, de tamanho razoável para que durassem enquanto precisas. Depois, pegou um papel limpo e branco e escreveu à caneta o nome de Matt. Marghe lhe entregou uma foto dele sozinho, já que ele era a pessoa a ser amarrada.
-Agora, minha filha, me passe o incenso de Olíbano africano. A propósito, o incenso é mesmo de Olíbano? Ele tem que ser, não só o aroma! Isso é muito importante, o Olíbano é o ingrediente central da amarração, é a oferenda que atrairá as entidades e as fará agir da maneira que queremos. Sem ele, elas simplesmente não vão fazer o desejado, pois não terão razões nem incentivos para isso.
-Comprei o incenso da Somália, o atendente da loja me assegurou de que era da melhor qualidade.
-Ah, ótimo! Agora só falta o sal.
Madame Djemon jogou tudo em uma panela e queimou.
-Pronto. Está feito. Trouxe o dinheiro?
-Sim, aqui está. Só espero que dê certo dessa vez.
-Se não for “causo” de amor, vai dar certo. Agora, se for amor de verdade, você nada conseguirá. O amor tudo vence.
Marghe saiu aliviada. Voltou para casa com a certeza de que seu casamento estaria garantido pela vida inteira.
Depois de brigar com Evie, Matt resolveu voltar para LA e procurar uma nova casa. Passou alguns dias no hotel e visitou vários imóveis, até que gostou de um e decidiu comprar. Tinha que ter residência lá para que pudesse sempre visitar seus filhos sem ter que ficar na casa de Marghe. Assim que cuidou das burocracias, ligou para Marghe marcando uma visita, queria ver as crianças. Ao desligar o telefone, Marghe abriu um grande sorriso: finalmente a macumba estava dando certo!
Naquele dia, até passou no cabeleireiro para dar um “up” no visual. Queria estar linda para ver Matt. Quando ele chegou, Marghe o recebeu de bom humor. Ele logo perguntou pelos filhos, que apareceram correndo ao ouvir a voz do pai. Enquanto eles brincavam, Marghe preparou um lanche delicioso. Queria se fazer de boa esposa para tentar voltar com o marido. Quando as crianças estavam no quintal, Matt foi até a cozinha conversar com Marghe.
-Você me parece muito bem, até mudou o cabelo!
-É, estou levando. Afinal, a vida continua. Não posso deixar que as crianças me vejam triste.
-Elas disseram alguma coisa?
-Kyle me enche de perguntas. Ela é praticamente uma pré-adolescente e como tal, enxerga as coisas. Byron é muito novinho para perceber o que se passa.
-Preciso ter uma conversa séria com eles, são meus filhos, merecem saber da verdade. Estou esperando as coisas se ajeitarem, acabei de comprar uma casa aqui em LA para poder ficar perto deles.
Marghe gelou ao ouvir aquilo. Estava crente que era apenas uma fase, que logo ele voltaria para casa. Não imaginou que ele iria tão longe na história da separação.
-Casa? Matt...eu pensei que você fosse voltar!
-Depois de tudo o que aconteceu?
-É...Matt, eu sei que disse coisas horríveis naquela noite, mas eu te amo e estou disposta a perdoar a sua traição. Eu sei que estamos em crise, mas acho que devemos tentar novamente. Somos um time, nos damos tão bem! Isso é só uma fase.
-Não acho que seja só uma fase, Marghe. O que sei é que preciso pensar melhor na vida, ficar sozinho, resolver meus problemas. Por favor, me entenda. Prometo que assim que eu resolver tudo, virei correndo falar contigo e com as crianças. Agora preciso ir.
Matt deu um beijo na testa de Marghe e partiu. Ela ficou impaciente, estava crente que teria seu marido de volta já naquela noite. “Por que o feitiço ainda não tinha dado certo?”, pensava desesperada.
CONTINUA...
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